quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Daniel Galera

TIROTEIO
por Daniel Galera

Eu tava no bar do Zé comendo uma coxinha de galinha e tomando uma cerveja, nada que eu já não tivesse feito antes. Havia, como de praxe, meia dúzia de pescadores bêbados atirados pelas mesas, uns rindo da cara dos outros, outros jogando dominó, um último cambaleando entre duas mesas de sinuca, coçando o rosto inchado. E meio que do meu lado, a pouco mais de um metro, um outro pescador, maior que todos os outros, mais feio que todos os outros, sacudindo graciosamente um carrinho de bebê dentro do qual havia um bebê. O carrinho era novo, o bebê era branquinho, limpo, sorridente e silencioso. Eu já tinha visto muita coisa estranha no bar do Zé pra me espantar com um carrinho de bebê com um bebê dentro, no meio daquele boteco escuro, velho, ocupado exclusivamente por homens rudes, grotescos, a maioria miseráveis, todos bêbados. Continuei mastigando minha coxinha. Mas a presença do bebê começou, finalmente, a me causar uma certa estranheza, e eu tirei os olhos do balcão para encarar aquele pequeno ser nos olhos.

Este conto continua na edição impressa do número 28 da Revista 365.

Daniel Galera nasceu em São Paulo, em 1979. É escritor e tradutor. Tem publicado em Portugal o romance «Mãos de Cavalo» (Caminho, 2008). É também autor de «Até o dia em que o cão morreu» (Livros do Mal, 2003, e Companhia das Letras, 2007 – posteriormente adaptado ao cinema com o nome «Cão sem dono» e realizado por Beto Brant e Renato Ciasca) e «Cordilheira» (Companhia das Letras, 2008), além do volume de contos «Dentes Guardados» (Livros do Mal, 2001), de onde retirámos «Tiroteio» («Dentes Guardados» está disponível em linha, através do sítio do autor).



Mãos de Cavalo (Caminho, 2008)



Cordilheira (Companhia das Letras, 2008)

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