sexta-feira, 6 de junho de 2008

Fernando Ribeiro

LÚCIFER E LILITH
por Fernando Ribeiro

Viram-se pela primeira vez de dia, na manhã da praia. Por entre as famílias felizes, redondas das merendas. À vista das crianças que pingavam sal na água da pele. À sombra das rochas de argila entranhada, despenhando-se, cinzenta, nas areias sedentas.

Olharam-se encandeados do zénite do Sol. As famílias dormiam, ruminantes. As crianças desapareciam no mar entre gritos e surdinas. As rochas mutilavam-se de ervas secas, cardos e insectos chocando na confusão das vidas intensas.

À tarde não foram vistos por ninguém. (...)

Este conto continua na edição impressa do número 26 da Revista 365.

Fernando Ribeiro é vocalista, letrista e alma da banda Moonspell, tendo publicado vários livros de poesia, o último dos quais «Diálogo de Vultos», editado pelas Quasi em 2007.

Neste vídeo, Fernando Ribeiro faz uma visita guiada ao Inferno, o estúdio dos Moonspell.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Mário Bruno Pastor

PONTO DE FUGA
por Mário Bruno Pastor

Emília voltou a colocar os óculos, fitou de novo o relógio, apertou as mãos e levantou-se lentamente. O chefe de estação sorriu-lhe, mas ela, como sempre, desprezou-lhe a cumplicidade. No caminho de volta, agarrada à grande bolsa de renda, notou que as fraldas do vestido e as mangas do casaco de peles estavam rompidas e um pouco sujas. Por um lado tinha sido melhor ele não ter regressado hoje, teria que estar com outro aspecto para o receber, precisava de um vestido limpo e mais resplandecente. Levou as mãos à cabeça e firmou melhor o alfinete do chapéu. Ao fundo da rua, tenuamente iluminado pelo candeeiro eléctrico, um homem de sobretudo, acompanhado por uma rapariga, caminhava falador. Seria Gustav? Emília estremeceu, rebuscou a bolsa e retirou os óculos, aproximou-os dos olhos. Não, era apenas um homem e Gustav voltaria no verão. (...)

Este conto continua na edição impressa do número 26 da Revista 365.

Mário Bruno Pastor nasceu no Porto em 1976. Padece de bissextismo e custa-lhe a aceitar que existam calendários para os anos vindouros. A par disso tem publicado poesia em edições literárias colectivas.