quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

As gralhas, essas meretrizes

Como já alguns de vós devem ter reparado, este número 31 da Revista 365 saiu, para ser simpático, um nadinha gralhado. Para lá dos erros que são apenas chatos e apenas nos ficam mal, há um que nos incomoda deveras porque deturpa a leitura de um dos contos, ainda para mais um dos melhores deste número. Falamos do Perdidos & Roubados do Hélio Teixeira (página 34), que deveria terminar na quinta linha da página 37, mas que continua num outro publicado na edição anterior. Fomos à bruxa e ela disse-nos que não há nada de sobrenatural nisto, e que um pouquinho mais de atenção a fazer as coisas é capaz de ajudar. Pedimos, pois, que não leiam esse conto, uma vez que o republicaremos no próximo número com a dignidade que ele merece. Aos nossos leitores e muito especialmente ao autor, Hélio Teixeira, pedimos desculpa.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Um grande 31



Estamos de volta. É o número 31. Trabalhos de Alex Gozblau, Asli Kolcu, Ana Queiroz, Anabela Bravo, Anastasia Tikhonova, Camilo Castelo Branco, Elif Karakoç, Hélio Teixeira, Katherina Velasquez, Madalena Silva, Micael Póvoa, Miguel Marques, Paulo Moreiras, Pedro Miguel, Philip Flesh e Sónia Morais Santos. Direcção de Fernando Alvim, design de Alex Gozblau, edição de António Gregório e Carina Fonseca.

sábado, 1 de agosto de 2009

Chegámos aos 30.



E pronto, para que não vos falte nada este Verão, o número 30 da Revista 365 já saiu para distribuição. Textos de Alberto Pimenta, Clara Ferreira Alves, Jorge Palma, Luiz Pacheco, Mário Cesariny, Mestre Marcello, Rui Manuel Amaral, Rui Reininho e a republicação de uma entrevista a Miguel Ángel Valero (o Piraña da série Verão Azul). Trata-se de um segundo volume de best of, com a mais-valia de uma poema inédito de Miguel Esteves Cardoso. A partir do próximo número, retomaremos a publicação de textos novos. A distribuição continuará a ser gratuita.

domingo, 19 de julho de 2009

Querem ter um conto publicado na 365?

Enviem-nos o vosso trabalho, de preferência em documento de word (e com uma minibiografia vossa no fim). O tema é livre e o número – orientativo – de caracteres é 3000. De todos os recebidos, seleccionaremos os “melhores” (com aspas porque, como diz o ditado, cada cabeça sua sentença, e isto dos melhores é muito subjectivo). Pronto, a gerência agradece. O mail de serviço é:

365pontocom[at]gmail.com

quarta-feira, 1 de julho de 2009

o número 29 está aí e é de borla



É esta a capa do número 29 da Revista 365. A partir de agora passará a ser de distribuição gratuita. Para assinalarmos a mudança, fizemos um número especial, que é uma espécie de best of. Neste número encontrão, pois, textos de Eduardo Pinto, Elmano Madaíl, Fernando Ribeiro, João Pereira Coutinho, José Luís Peixoto, Mário Bruno Pastor, Nuno Casimiro, Pedro Sena-Lino, valter hugo mãe e Vasco Barreto.

sábado, 21 de março de 2009

Pedro Santo

JACINTO
por Pedro Santo

Consta que é da praxe, que todos os super-heróis em potência, em determinada altura de suas vidas, são expostos a situações que espoletam a sua faceta de semideus dos oprimidos. Os exemplos factuais comprovam-no: o Homem-Aranha foi mordido por uma aranha numa aula de ciências, ou lá o que foi, o Hulk também se embrulhou com uns tubos de ensaio ou raios gama, e, o próprio Batman, ainda que apartado do contexto laboratorial, alombou com os seus pais a serem vindimados à sua frente ou chatice afim. Tudo isto para dizer que, com Jacinto, o nosso super-herói, não sendo possível registar com exactidão o momento de transformação numa entidade protagonista na eterna luta do bem contra o mal, é possível determinar uma série de momentos que convergiram nesse sentido. Ora bem, Jacinto, quando era garoto, foi demonstrando especial apetência para se cruzar com pessoas que, assim que se lhes informava que o nome de Jacinto era, lá está, Jacinto, retorquiam com um "ah, como um dos reis magos". Das primeiras vezes, Jacinto ainda sorria com o erro e corrigia as pessoas, "não, não, como um dos pastorinhos", mas à medida que uma pessoa cresce, a raiva vai-se tornando no sentimento mais presente e orientador. E com Jacinto foi igual.

Este conto continua na edição impressa do número 28 da Revista 365.

Pedro Santo é um gajo que acha que estas mini-biografias são redutoras para com a sua incomensurabilidade. Como precisava de pelo menos mais uma linha, e em protesto, acaba por não adiantar nada sobre si, a não ser que nasceu em Leiria, em 1980.

sexta-feira, 20 de março de 2009

é sexta-feira foge comigo

PEDRO MIGUEL
e o projecto é sexta-feira foge comigo


O farol from Região de Leiria on Vimeo.

Pedro Miguel colaborou no número 28 da Revista 365. Mais sobre é sexta-feira foge comigo aqui.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Alexandre Andrade

SCENTS OF PROVENCE
por Alexandre Andrade

A bola embateu na outra bola no ponto certo, mas com o efeito errado, ou no ponto errado com o efeito certo. Rachel não pôde evitar um suspiro de frustração. Cada colisão era acompanhada por um som seco e previsível. Os tacos passaram de uma brusca mão derrotada para outra mão. Rachel não conhecia as regras do jogo, mas emitia opiniões com uma cadência quase feroz.

Havia meia hora que entrara naquele bar de Antibes, esforçando se por aparentar a calma principesca de quem já conheceu tudo o que na vida existe que valha a pena conhecer. Interessara se pela partida de bilhar, e agora, com a mão esquerda fechada em torno do copo que continha o resto tépido do seu diabolo grenadine, esforçava se por se integrar no grupo de jogadores, mas mantendo as distâncias; ou então, cultivar um módico de distanciamento sem descurar o apetite pela socialização. Tanto uma como a outra estratégia lhe pareciam boas. Um rapaz muito moreno, dono de um fascinante par de olhos verde azeitona, perguntou a Rachel se queria jogar. Não, Rachel não jogava. O seu reflexo no vidro que dava para a rua mostrou um rosto sufocado pela gratidão.

Este conto continua na edição impressa do número 28 da Revista 365.

Alexandre Andrade nasceu em 1971 em Lisboa, onde reside. É professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Tem 2 romances e 2 livros de contos publicados. É autor deste blogue.



As Não-Metamorfoses
(Errata, 2004)



Aqui Vem o Sol
(Quasi, 2005)

quarta-feira, 18 de março de 2009

Sete

RUI MANUEL AMARAL
e o projecto Sete


Filme de promoção do projecto Sete. Sete é um projecto vídeo de Francisco Costa e Rui Manuel Amaral, com textos deste último e locução de António Paulo Silva, concebido para o evento “Um Café ao Vivo”, a ter lugar no dia 21 de Março de 2009, no espaço Breyner 85, no Porto, pelas 21h00.

Rui Manuel Amaral é um dos autores publicados no número 28 da Revista 365.

domingo, 15 de março de 2009

Marcelo Moutinho

ROSA NOTURNA
por Marcelo Moutinho

Teresa tinha um pênis de vinte e dois centímetros, contados na régua. O atributo lhe rendia fama nos arredores da praça Paris, onde trabalhava de terça a domingo, das onze às cinco, quarenta reais por uma gozada, sem beijo na boca. “Beijar, nem por cem. É só para namorado.”

Os quarenta (e mais quarenta e mais quarenta e mais quarenta) ajudavam a pagar as despesas do apartamento da rua Cândido Mendes, dividido com duas amigas. Era ali que Teresa dormia, depilava as pernas, o sovaco e o rosto, tonificava os glúteos com os exercícios da revista de ginástica, aplicava em ampolas de hormônio as futuras curvas de mulher. Era ali que, enfim, abrigava-se durante o invisível do dia, nas horas de inexistência, antes de virar purpurina sublime e esparsa numa calçada de Glória.

Nas dimensões apertadas do apartamento, ela se amontoava às próprias coisas, às amigas e aos objetos das amigas, espalhados pelos dois cômodos. A topografia das caixas de papelão, dos móveis atravancados, dos colchões no colchão, da geladeira no meio da sala, dos poucos armários para muitas roupas, era como um raio X invertido da própria Teresa: desordem.

Este conto continua na edição impressa do número 28 da Revista 365.

Marcelo Moutinho nasceu em Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro, no dia 22 de Junho de 1972. É jornalista e escritor. Tem publicados os volumes «Memória dos barcos» (7Letras, 2001) e «Somos todos iguais nesta noite» (Rocco, 2006). É autor deste blogue.



Memória dos Barcos
(7Letras, 2001)



Somos Todos Iguais Nesta Noite
(Rocco, 2oo6)

sábado, 14 de março de 2009

Elisabete Patrícia Andrade

O MEU ROSTO TERMINA ONDE O TEU COMEÇA
por Elisabete Patrícia Andrade

Tem 13 anos. Todas as noites se despe em frente do espelho. Executa este ritual sem procurar perceber que necessidade urge. Com a mão procura prazer, busca pontos no corpo que possam ser estimulados numa precipitação urgente para o orgasmo. Gosta de contemplar o rosto a abrir-se numa emoção de prazer enquanto uma luz lhe passa sobre os olhos. Masturba-se devagar, descobrindo o seu corpo milímetro a milímetro. Quando se vem nascem-lhe asas, os dedos lambuzados e felizes entre as pernas. Depois seca as lágrimas e imobiliza-se um instante diante do espelho, observa longamente o duplo rasgado pelo reflexo da lua. Fica fascinada com as transformações rápidas que o corpo sofre, aprecia particularmente a saliência dos seios. O corpo retoma o seu movimento natural, lentamente, e ela treme um pouco à contemplação do reflexo que o espelho devolve. Compreende cada vez menos a asfixia que oprime.

Este conto continua na edição impressa do número 28 da Revista 365.

Elisabete Patrícia estudou letras na Universidade Clássica de Lisboa. Reside presentemente no Reino Unido. Gosta de arte, de filosofia, de coleccionar livros e memórias. Elege o humor negro.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Miguel Marques

CONFISSÃO À PAREDE
por Miguel Marques

Hoje está atrasada. Os malvados nunca vêm à tabela. Se calhar perdeu o das nove e teve de esperar pelo das dez menos um quarto. Quando não vem, telefona a avisar. Hoje ainda não ligou, portanto deve vir. Deus queira que não tenha acontecido nada. Já tinham dado nas notícias. Eles dão sempre. Ainda antes de ontem caiu uma catenária e morreram não sei quantas pessoas. O comboio descarrilou e apareceu o chefe da estação a falar. Esse não morreu. Os malvados vêm sempre com atraso. Acho que foi um rápido. A sorte foi que iam poucos passageiros, mas, mesmo assim, ainda morreram uns quantos. Deve ter-se atrasado. Se calhar ligou e não dei por nada. O mais certo é ter-se atrasado. Nunca se esquece. Nove e meia, o mais tardar, telefona. No outro dia trouxe-me um aquecedor eléctrico, daqueles que se ligam à corrente, porque diz que faz mal acender a braseira em casa, mas não me habituo a ele. Como não tenho as brasas, ponho a manta nos joelhos ou aqueço os pés com o saco de água quente. Nesta altura, as noites são tão frias que me enregelam as mãos e a barriga das pernas. Uso meias de lã mas o frio perpassa a roupa. Perpassa tudo, este frio.

Este conto continua na edição impressa do número 28 da Revista 365.

Miguel Marques nasceu em Lisboa em 1978, cursou Psicologia derivado a um erro de preenchimento dos impressos e encontra-se, actualmente, empregado a título precário num projecto de intervenção social. Falhou uma brilhante carreira política. Entrementes, foi forcado em Barrancos, seringueiro na Amazónia, bate-chapas em Moscavide, traficante de armas na Rodésia e guia de excursões entre Tânger e Gilbraltar. Tem contos publicados nas antologias Revista 365 – Os Primeiros Anos (CoolBooks, 2004) e em duas colectâneas Jovens Escritores (101 Noites, 2005 e 2006). É autor deste blogue.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Luís Graça

A MULHER QUE SOFRIA MUITO COM AS RECORDAÇÕES MUSICAIS
por Luís Graça

Tudo lhe doía.

Desde “There will never be another you” (Art Pepper, 6 minutos e 9 de sexo oral feito por um ex-namorado que emigrou para a China comunista) até “The flight of the bumble-bee”, de Rimsky-Korsakov, pela voz do violino de Nigel Kennedy (um antigo colega de Faculdade que a sodomizou numa noite de temporal, para depois se ir gabar do feito para o Cais do Sodré, no “British Bar”).

A sua vida era um vendaval de desilusões amorosas, sempre acompanhadas de recordações musicais que funcionavam como guarnições indigestas para um “à la carte” do sofrimento afectivo. Pobre coração ávido de melodia!

A virgindade foi-se num fim de tarde esquisito, o céu plúmbeo de indecisões micro-climáticas. Os passarinhos desconfiados dos reformados que lhes atiravam com pão, os cães de dentes arreganhados para as crianças que brincavam à volta do coreto. A banda tocava a trilha sonora de “A golpada”, ela e Joaquim escondidos num recanto fétido, (mal) frequentado por ratazanas mafiosas que dominavam a zona. Não teve tempo para pensar. Joaquim agarrou-lhe os ombros com manápulas férreas de erecção acumulada, atirou-a contra a parede do coreto e a natureza seguiu o seu curso. Não foi violação porque ela estava demasiado entontecida para manifestar de forma expressa a sua desilusão com Joaquim. Em vez de 24 rosas, 20 centímetros. Ao invés de “amor, quero entrar em ti”, lá vai alho.

Este conto continua na edição impressa do número 28 da Revista 365.

Luís Graça é jornalista e escritor. Tem publicado «15 Desatinónimos para Fernando Pessoa», «De Boas Erecções está o Inferno Cheio» e «A Mulher que Fazia Recados às Putas e mais contos perversos», de onde retirámos «A mulher que sofria muito com as recordações musicais», que publicamos neste número.



A Mulher que Fazia Recados às Putas
e mais contos perversos
(Lewisgrace, 2007)

segunda-feira, 9 de março de 2009

Rui Manuel Amaral

HISTÓRIA DO DITO CUJO
por Rui Manuel Amaral

Se eu quisesse, podia contar muitas histórias sobre o dito cujo. Mas basta esta, a primeira que me vem à cabeça. Um belo dia, após uma bela noite de sono, o dito cujo abriu os olhos, levantou-se da cama, dirigiu-se ainda meio ensonado ao quarto de banho, olhou para o espelho e, oh!, fez uma careta terrível! Caramba, a terrível careta que ele fez! E depois disse: “Xanto Deux, o gue agontexeu à minha gara? Parexo o Gregor Xamxa.” O que significa: “Santo Deus, o que aconteceu à minha cara? Pareço o Gregor Samsa”, mas ele pronunciava mal as palavras, por causa daquilo que acontecera à sua cara durante a noite. E é tudo.

Esta é uma das microficções da série Cinco Histórias Nocuturnas, de Rui Manuel Amaral, que publicámos no número 28 da Revista 365.

Rui Manuel Amaral nasceu no Porto, em 1973, cidade onde vive. É coordenador literário da revista aguasfurtadas. É autor de «Caravana», editado pela Angelus Novus. É autor deste blogue.



«Caravana», de Rui Manuel Amaral, no «Ler+, Ler Melhor»


Um trailer, do livro «Caravana»

sexta-feira, 6 de março de 2009

Ana Queiroz

OS DOIS CARAS DE CAVALO
por Ana Queiroz

As minhas pernas assemelhavam-se, fustigadas e pesadas, quase em papa, às dos cavalos que corriam à minha frente. Eram os segundos invasores em pouco tempo, admitindo que me falaram de coisas reais e que estive longe de línguas fantasiosas, errantes, etc, etc, daquelas espalhadas pelos cantos escuros da Cidade, onde normalmente parava... Mas esta parte não me interessa assim tanto; ou melhor, tento perceber agora o que me interessa e o que vou pôr de parte (1- não me posso esquecer do nevoeiro)... Vou começar de novo. A tremura que sentia no corpo era parecida com a dos cavalos que chegavam mas só podia justapô-las com razão se os animais fossem mais velhos ou se estivessem tão cansados como eu. Por algum motivo, olhava mais para os cavalos que para as silhuetas que os montavam; e eram muitos, apesar de parecidos, e de um conjunto de massas muito juntas, eram às centenas.

Este conto continua na edição impressa do número 28 da Revista 365.

Ana Queiroz tem 21 anos, frequenta o último ano do curso de Cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema. Foi seleccionada entre os Jovens Criadores de 2008 na categoria de Literatura e, no futuro, deseja trabalhar nessa área, bem como na de Cinema.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Pedro Miguel

ANOTHER ONE BITES THE DUST
por Pedro Miguel

J'ai faim! Merde, j'ai faim! Era com esta lembrança de um filme francês, ou pelo menos a sentir uma convicção parecida com a de alguém num cenário amarelo torrado, em mangas de camisa, perigosamente ao pé da salamandra, (o que não acontecia no filme, mas também não importava porque como já foi referido, era mais uma convicção parecida, que outra coisa) com a barba por fazer, com a devida consequência de lhe causar comichão, que Elliot se debatia à uma da manhã numa noite de Inverno (Novembro… pode ser?) de segunda para terça. Deixar o conforto do lar para ir buscar alimento era algo que o incomodava muito, mesmo fazendo o esforço para se sentir pré-histórico e encarar aquilo como uma aventura.

Este conto continua na edição impressa do número 28 da Revista 365.

Pedro Miguel nasceu em Viseu, há 33 anos. Escreve. Certas noites, independentemente da fase da lua, transforma-se no dj Schmeichael e mete música. Tem este blogue.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Daniel Galera

TIROTEIO
por Daniel Galera

Eu tava no bar do Zé comendo uma coxinha de galinha e tomando uma cerveja, nada que eu já não tivesse feito antes. Havia, como de praxe, meia dúzia de pescadores bêbados atirados pelas mesas, uns rindo da cara dos outros, outros jogando dominó, um último cambaleando entre duas mesas de sinuca, coçando o rosto inchado. E meio que do meu lado, a pouco mais de um metro, um outro pescador, maior que todos os outros, mais feio que todos os outros, sacudindo graciosamente um carrinho de bebê dentro do qual havia um bebê. O carrinho era novo, o bebê era branquinho, limpo, sorridente e silencioso. Eu já tinha visto muita coisa estranha no bar do Zé pra me espantar com um carrinho de bebê com um bebê dentro, no meio daquele boteco escuro, velho, ocupado exclusivamente por homens rudes, grotescos, a maioria miseráveis, todos bêbados. Continuei mastigando minha coxinha. Mas a presença do bebê começou, finalmente, a me causar uma certa estranheza, e eu tirei os olhos do balcão para encarar aquele pequeno ser nos olhos.

Este conto continua na edição impressa do número 28 da Revista 365.

Daniel Galera nasceu em São Paulo, em 1979. É escritor e tradutor. Tem publicado em Portugal o romance «Mãos de Cavalo» (Caminho, 2008). É também autor de «Até o dia em que o cão morreu» (Livros do Mal, 2003, e Companhia das Letras, 2007 – posteriormente adaptado ao cinema com o nome «Cão sem dono» e realizado por Beto Brant e Renato Ciasca) e «Cordilheira» (Companhia das Letras, 2008), além do volume de contos «Dentes Guardados» (Livros do Mal, 2001), de onde retirámos «Tiroteio» («Dentes Guardados» está disponível em linha, através do sítio do autor).



Mãos de Cavalo (Caminho, 2008)



Cordilheira (Companhia das Letras, 2008)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Mário Bruno Pastor

O CAMINHO PARA WEIMAR
por Mário Bruno Pastor

Tínhamos perdido. Ao fundo, roncando aos solavancos, afastava-se o comboio lento. Estava macerado pela exposição solar de quase quatro anos sem restauro. Dentro dos vagões, amontoados uns sobre os outros, ombros caídos, os últimos camaradas sobreviventes que tinham conseguido embarcar em Sedan fitavam o cais de embarque. Ninguém nos acenava, não havia sorrisos e Eric, a meu lado, ressentido pelo atraso e pela indiferença dos que partiam, dizia-se transparente.

Era inútil esperar por um novo transporte. Aquele tinha sido o último comboio a partir para leste, daqui em diante as fronteiras seriam reentregues às autoridades francesas, e estas iriam fechá-las para sempre. O melhor seria caminhar. Mesmo tendo que percorrer os quase 500 quilómetros que nos separavam de Weimar, ainda havia tempo para chegar a casa antes do Natal.

Este conto continua na edição impressa do número 28 da Revista 365.

Mário Bruno Pastor nasceu no Porto em 1976. Padece de bissextismo e custa-lhe a aceitar que existam calendários para os anos vindouros. A par disso tem publicado poesia em edições literárias colectivas.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Finalmente, o número 28


Textos de Alexandre Andrade, Ana Queiroz, Daniel Galera, Elizabete Patrícia Andrade, Izet Sarajilic, Luís Graça, Marcelo Moutinho, Mário Bruno Pastor, Miguel Marques, Pedro Miguel, Pedro Santo e Rui Manuel Amaral.

Postos de venda, na coluna da direita, bem como a informação para quem queira participar no próximo número.